Devastadores e, por vezes, pouco responsivos a medicamentos, alguns tipos de câncer podem estar com seus dias contados. Isso porque, em uma iniciativa inédita, médicos estão realizando em pessoas o teste clínico de uma vacina contra um tipo agressivo de câncer de mama – tudo com base em um estudo que durou décadas e mostrou o imunizante efetivo em animais.
Vacina contra câncer de mama é testada em humanos
Apesar dos tratamentos cada vez mais personalizados, alguns tipos de câncer seguem sendo um desafio para a medicina. É o caso, por exemplo, do câncer de mama triplo negativo, que tem este nome por não apresentar nenhum dos três receptores usados como “alvos” em terapias – e que, recentemente, pode ter recebido uma sentença da ciência conforme tiveram início testes de uma vacina contra o câncer de mama.
Ainda que o teste seja uma novidade, tudo começou com um estudo antigo conduzido pelo imunologista Vincent Tuohy e publicado em 2010 pelo periódico científico “Nature”. Nele, o médico identificou um possível alvo neste tipo agressivo de câncer (que corresponde a 15% de todos os tumores mamários e leva à morte um quarto das pacientes diagnosticadas) e, ao testar o imunizante em ratos, obteve grande sucesso.
Como o tumor de mama triplo negativo não apresenta nem estrogênio, nem progesterona e nem a proteína chamada HER2 (todos opções de receptores para tratamentos), ele não é tão suscetível à hormonioterapia ou terapia-alvo. Tuohy, no entanto, decidiu testar o uso de outra parte do câncer como alvo no desenvolvimento da vacina – algo que não é tão fácil, já que células cancerosas vêm de células normais.
Ainda que cancerosas, células tumorais são bem similares às células saudáveis do corpo e, por isso, são poucas as opções de receptores presentes apenas nas células que devem ser atacadas. Tuohy, no entanto, optou por focar em uma proteína chamada alfa-lactoalbumina, produzida em grande quantidade por boa parte dos carcinomas mamários enquanto, no corpo humano, é fabricado apenas quando a mulher amamenta.
Com base nisso, foi criado um imunizante testado por Tuohy em camundongos – e os resultados foram muito animadores, pois mostraram uma boa resposta imune contra a doença (tanto em animais que já haviam passado pela lactação quanto nos que nunca tiveram a proteína alfa-lactoalbumina no corpo). Diante disso, o imunizante foi aperfeiçoado e, nos últimos anos, foi avaliado como seguro para testes em humanos.
De acordo com Tom Budd, oncologista da Cleveland Clinic que está atuando ao lado de Tuohy no ensaio clínico (iniciado em torno de outubro de 2021) e falou sobre o assunto em um podcast, a ideia nesta fase dos testes é avaliar se, em humanos, também há uma resposta imune, qual o nível desta resposta e ainda se, a princípio, ele age com segurança no corpo humano, sem provocar efeitos colareais importantes.
Para isso, ela envolve a administração de três doses da vacina em 24 mulheres diagnosticadas com este câncer nos últimos três anos, que estão estáveis e têm alto risco de reincidência. Após a imunização, elas serão acompanhadas por anos e, por serem poucas, não bastarão para provar que a vacina é efetiva na prevenção do câncer (já que, para isso, é preciso um grupo maior e muito mais tempo de acompanhamento).
Ainda que a jornada dos testes com esta vacina para o câncer de mama seja claramente longa, os especialistas envolvidos afirmam que, caso ela se prove efetiva, pode ter mais de um uso. Além de prevenir o câncer em pacientes com tendência a desenvolvê-lo, ela também poderá ser usada em pacientes que já tenham sido diagnosticadas e tratados de forma a incentivar o corpo a atacar células restantes.
Além disso, também é provável que a mesma estratégia vacinal sirva para outros tipos de tumor. “Nosso programa de pesquisa translacional foca em vacinas que previnem doenças que confrontamos com a idade, como câncer de mama, ovário e endométrio. Se bem-sucedida, elas têm o potencial de transformar a forma como controlamos cânceres no início da vida adulta e aumentar a expectativa de vida de forma similar ao impacto que o programa de vacinação infantil teve”, afirmou Tuhoy, conforme divulgado pela clínica.
As respostas, inclusive, estão relativamente perto de começar a chegar: de acordo com informações disponibilizadas pela Cleveland Clinic, é esperado que o estudo seja concluído em de 2022.