Próteses de silicone, usadas por razões estéticas ou para reconstrução mamária, são relativamente seguras para o corpo, mas, por ser um objeto estranho ao organismo, podem causar problemas. Nas últimas décadas, por exemplo, médicos começaram a notar que alguns dos chamados seromas, “bolsas” de líquido que podem se formar abaixo da pele devido à prótese, tinham características incomuns – e, com isso, descobriu-se que, apesar de ser algo bastante raro, o uso de implantes de silicone está ligado à ocorrência de um tipo de linfoma na mama.
Casos de linfoma por silicone estão aumentando?
Recentemente, um estudo publicado no periódico científico “ JAMA Oncology” discutiu a incidência de um problema descoberto de maneira relativamente recente na história do silicone. No estudo, que analisou dados coletados de 2000 a 2018, foi constatado que, neste período, os casos de um tipo de linfoma mamário (linfoma anaplásico de células grandes, também conhecido pela sigla ALCL) aumentaram – e a ocorrência deles está ligada ao uso de certos tipos de implantes.
Conforme explica o mastologista Vilmar Marques, especialista em oncoplastia e presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), esta relação é, hoje, conhecida e investigada por médicos, mas não costumava ser até meados dos anos 2000. Segundo o médico, este problema é derivado dos seromas, espécies de “bolsas” que podem se formar em torno da prótese. Antigamente, os seromas muito grandes eram removidos sem grandes investigações, mas, eventualmente, foram identificadas células diferenciadas ali.
“Na maioria das vezes, esse tipo de linfoma é indolente [tem desenvolvimento lento]. Ou seja, quando você tratava a paciente, tirava o implante e a cápsula, o linfoma já estava tratado”, explica o mastologista a Tá Saudável, ressaltando que, embora os números se mostrem crescentes quando analisados dentro do contexto geral, isso se deve não a um aumento na quantidade de casos nas últimas décadas, mas sim ao aumento na quantidade de diagnósticos.
“No passado, nós operávamos as pacientes e não tínhamos como preocupação um linfoma, não fazia parte do nosso rol de hipóteses diagnósticas. Quando começaram a ser relatados os casos, aí sim passamos a nos preocupar. Hoje, toda vez que se pega um seroma mamário, há a obrigação de se fazer algumas pesquisas para investigar a etiologia dele”, afirma o médico, que ressalta também a raridade do problema. Segundo ele, enquanto o câncer de mama afeta 1 a cada 8 mulheres, este linfoma afeta 1 a cada 30 mil.
Além disso, Marques especifica também que este linfoma está ligado não ao silicone em si, mas às próteses texturizadas. Segundo ele, entre as décadas de 80 e 90, o silicone texturizado ganhou o público devido a um risco menor de encapsulamento (surgimento de uma membrana ao redor da prótese) em relação aos implantes lisos – e, nos últimos anos, isso está mudando. “Agora, estamos usando implantes de silicone lisos e de micro ou nanotextura, para que tenhamos uma queda no número de linfomas”, pontua.
Linfoma anaplásico de células grandes: como acontece
Conforme explica o presidente da SBM, tudo começa com uma irritação local gerada pelo implante, direta ou indiretamente. “Quando você tem um silicone, ele pode liberar algumas toxinas e fatores irritativos podem ser gerados tanto por ele quanto pela proliferação de bactérias ao redor do implante”, afirma Marques, detalhando que, conforme este processo inflamatório tem início, há o envolvimento de substâncias que ativam os chamados linfócitos, uma das células de defesa do sangue.
De início, neste processo, os linfócitos envolvidos são parecidos, mas, eventualmente, perdem estas características similares. Esta replicação de células diferentes umas das outras é, segundo o médico, uma característica básica do câncer e, como as células envolvidas são os linfócitos, o problema que tem origem na região afetada é um linfoma. Como as células não são parecidas entre si, a doença recebe o termo “anaplásico”, enquanto o tamanho aumentado destas células designa o problema como um linfoma de células grandes.
Tratamento
Segundo Marques, que, em 2006, chegou a operar um caso de linfoma anaplásico de grandes células em uma paciente, o quadro é, em geral, resolvido de forma cirúrgica, mas tudo depende do estadiamento da doença. Em alguns casos, é possível apenas retirar o seroma e, consequentemente, o linfoma, enquanto em outros a paciente pode ser direcionada a tratamento com quimioterapia.
Linfoma mamário por implante e doença do silicone são a mesma coisa?
Nos últimos anos, uma série de relatos vêm relacionando o uso de próteses de silicone a sintomas relativamente inespecíficos, como fadiga, dores nas articulações e queda de cabelo. Popularizado como “ doença do silicone”, o problema tem feito inúmeras pacientes retirarem os implantes, observando uma melhora nos sintomas – e, segundo o mastologista, apesar desta ser, sim, uma possível consequência do uso de próteses, ela não é o mesmo que o linfoma.
Conforme explica Marques, a “ doença do silicone” – formalmente conhecida como síndrome autoimune/inflamatória induzida por adjuvante, a ASIA – e o linfoma anaplásico de grandes células são condições diferentes, mas que derivam do mesmo processo. “Começa com o implante, aí temos o estímulo inflamatório, a resposta do hospedeiro e, como consequência, uma adequação do hospedeiro ao silicone, podendo gerar a ‘doença do silicone’, contratura capsular, doenças autoimunes e o linfoma”, explica o médico.