Ainda que se fale cada vez mais sobre assuntos relacionados à saúde mental, muita gente ainda tem uma ideia bem equivocada sobre o que significa ser uma pessoa depressiva ou ansiosa, por exemplo. Na visão de alguns, quem tem depressão está sempre triste, vendo o mundo de maneira pessimista e passando 24 horas por dia na cama, mas isso não é a realidade da doença.
Essa concepção, inclusive, é completamente desconstruída quando confrontada com casos como o do humorista Whindersson Nunes que, com um desabafo forte e honesto feito em seu perfil no Twitter, mostrou que seu estado emocional não condizia em nada com o que ele mostrava de si para o mundo enquanto espalha sorrisos com seus shows e sorri junto com eles.
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Em um grande texto, Whindersson mostrou que até ele ficou confuso ao se dar conta de seu estado emocional e do contraste entre o que sente e o que tenta passar para os outros. “Apesar de tudo de bom que vem acontecendo comigo, com tudo que já conquistei, eu me sinto há alguns anos triste. Eu sinto uma angústia todos os dias. Algumas risadas, algumas brincadeiras e depois lá estou eu de novo com esse sentimento ruim”, escreveu ele.
Whindersson, porém, está longe de ser o único artista a trabalhar com comédia e se mostrar bem-humorado ao mesmo tempo em que sente algo angustiante dentro de si; Jim Carrey, por exemplo, que já estrelou inúmeros sucessos do cinema e chegou a encabeçar a lista de atores mais bem pagos do mundo, também teve sua experiência com a depressão.
Em entrevista ao veículo britânico “iNews” realizada no final de 2017, ele afirmou que passou anos vivendo com a doença. “Tive [depressão] durante anos, mas hoje, quando a chuva chega, ela não fica. Ela não fica mais tempo o suficiente para me afogar”, explicou Jim na conversa, e os exemplos de humoristas com vivências parecidas não param por aí.
Antes de morrer em 2012, o ator Chico Anysio – um dos maiores nomes tanto da televisão quanto do humor no Brasil – chegou a gravar um depoimento falando sobre saúde mental para um congresso da Associação Brasileira de Psiquiatria que, posteriormente, divulgou o vídeo. Nele, Chico deixou bem claro que, apesar de ser extremamente competente e se mostrar alegre, seu psicológico era instável.
“Eu tenho um psiquiatra há 24 anos. Se não fossem os remédios que a psiquiatria dá, se não fosse isso, eu não teria conseguido fazer 20% do que eu fiz. Eu entendi que era depressão e pude pagar os remédios, então venci. Ela é vencível”, afirma ele no depoimento, e atores com o lendário Robin Williams e o brasileiro Eduardo Sterblitch também são alguns dos que já fizeram desabafos parecidos.
“Depressão sorridente”: o que ela esconde?
Ainda que muita gente tenha para si que a depressão é “apenas” uma tristeza contínua, ela é uma doença – reconhecida como tal pela medicina – que, conforme mostram dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge cerca de 322 milhões de pessoas no mundo, sendo 11,5 milhões delas brasileiras. Com tantos casos, fica claro que as causas deste mal variam de paciente para paciente e, segundo a psicóloga Livia Marques, os casos devem ser analisados isoladamente.
Segundo a especialista, a depressão pode ser desencadeada por fatores hereditários, neurológicos e até por eventos traumáticos, tendo como principal característica uma angústia constante cuja origem não se entende. “Aquela tristeza sem fim, sem conseguir perceber prazer nas coisas que gostava de fazer”, explica Livia, ressaltando que os possíveis sinais da doença não param por aí.
“Outros sintomas podem ser o isolamento social, irritabilidade, falta de sono, questões de autoestima, alteração de apetite… são muitas questões”, diz a terapeuta, explicando também que o diagnóstico da doença é subdividido em leve, médio e alto, mostrando que nem todos os casos são graves a ponto de a pessoa praticamente deixar a vida de lado.
Os casos dos humoristas (ou pessoas comuns que, em geral, são conhecidas como as engraçadas nos círculos sociais), inclusive, são bons exemplos disso. Conforme explica a psicóloga, a depressão não está necessariamente associada a acontecimentos e momentos ruins da vida e pode afetar qualquer um. Em vez de ser, como muitos pensam, um momento de tristeza por algo dando errado, ela pode criar um quadro em que se está triste mesmo quando tudo dá certo.
Apesar de não ser um diagnóstico em si, quando essa doença acomete pessoas que vivem do humor e não necessariamente aparentam passar pelo que estão passando, alguns especialistas a apelidam de “ depressão sorridente” – e ela pode ser especialmente devastadora. Isso porque, segundo Livia, os sintomas da doença são tudo o que não se espera de um comediante ou alguém que tem sido por anos o “palhaço” da turma.
“Para uma pessoa que trabalha com humor, é praticamente inadmissível que ela esteja triste. Além disso, esta é a profissão que a pessoa tem, é muito complicado para ela fazer uma piada e ao mesmo tempo dizer que está com depressão. Assim, que tipo de crédito essa pessoa pode levar? A pressão social para que essa doença não atinja essas pessoas é muito forte”, esclarece a psicóloga, e isso fica claro no discurso de Whindersson.
“Eu nunca quis decepcionar minha família, nem vocês, nem minha esposa que tem sido minha rocha, a pessoa mais incrível que eu já conheci. Eu vivo rodeado de abutres, urubus, cada um querendo a sua fatia do bolo, e ver tantas pessoas ruins me deixa deslocado, me questionando se eu quebro errado em tentar nunca decepcionar”, escreveu o humorista.
Segundo ela, o humor pode, inclusive, ser uma forma de mascarar questões relacionadas a um psicológico abalado e problemas de autoestima. É o caso, por exemplo, de Robin Williams, que enfrentou depressão, alcoolismo e chegou até a ir para clínicas de reabilitação, mas fazia inúmeras piadas com a situação e não parecia se sentir tão afetado por aquilo quanto realmente estava.
“Pode ser que aconteça, cada um vai lidar do seu jeito. Pode ser que essa pessoa seja o piadista, aquele que faz brincadeiras para poder se autoafirmar e se sentir pertencente a um grupo. Essa tendência de levar tudo para o lado engraçado pode ser um mecanismo de defesa, de se esconder”, afirma a psicóloga.
Superação
Tanto para quem percebe uma angústia e mesmo assim consegue seguir com a vida quase normalmente quanto para quem se sente profundamente incapacitado por esse sentimento, é essencial o acompanhamento profissional. Segundo a psicóloga, casos de depressão devem ser avaliados individualmente, e o tratamento para eles dependerá de uma investigação por vezes multidisciplinar.
Enquanto a terapia pode ser suficiente para ajudar alguns dos pacientes, outros podem precisar do auxílio medicamentoso – algo que foge da alçada do psicólogo e requer avaliação psiquiátrica ou de alguma outra especialidade médica. Apesar de o acompanhamento especializado ser necessário, o essencial segue sendo o ato de reconhecer o problema, tendo plena noção de que confessar essa angústia não é um sinal de fragilidade.
“Tem gente que acha que a depressão é se mostrar fraco, mas ela não é ser fraco. A pessoa que está em depressão está em luta constante para aguentar aquela dor, aquela angústia, aquele sentimento de não ser pertencente, de não se ver em lugar nenhum”, assegura Livia, aconselhando que quem convive com pessoas assim pensem antes de falar de forma a não menosprezar o problema.
“Não diga nunca ‘você está sorrindo, é impossível que você esteja com depressão’, ‘depressão é coisa de gente que não tem nada para fazer e você vive cheio de coisas para fazer’, ‘vamos ali beber uma cerveja, vamos conversar que a gente resolve o problema’. A coisa não é dessa forma”, afirma a especialista.