Quando se fala nos riscos de colocar silicone, é normal que venham à mente problemas como deformidades ou infecções, mas estas não são as únicas reações possíveis à cirurgia. Além delas, o paciente pode desenvolver algo apelidado de “ doença do silicone”, que, por ter sintomas inespecíficos, ainda é pouco diagnosticado.
Mulher teve “doença do silicone”
Problemas de saúde
Em 2012, quando colocou silicone nos seios após muito tempo sonhando com esta cirurgia, a jornalista Diane Neubüser Lewaschiw, de 31 anos, estava ciente de possíveis riscos do procedimento – mas foi apenas após passar seis anos com a prótese que ela ouviu falar sobre a “doença do silicone” (ou siliconose) e finalmente encontrou a explicação para os sintomas que teve durante todo esse tempo.
Conforme conta, a partir do momento em que fez a cirurgia, começou a perceber alterações graduais em sua aparência. “Minha pele foi perdendo a cor natural, foi ficando mais pálida, acinzentada, minhas olheiras ficaram cada vez mais profundas e escuras, começaram a aparecer manchas na minha pele”, explica, ressaltando que seu organismo também demonstrou alterações.
Apesar de sempre ter prezado pela saúde mantendo uma boa alimentação e praticando exercícios físicos, Diane afirma que, a partir da plástica, desenvolveu, de forma súbita, fadiga intensa e algumas doenças como gastrite aguda, enxaqueca, alergia de pele (em forma de manchas) e condromalacia patelar (degeneração da cartilagem do joelho).
“A gastrite me deixou mal a ponto de ficar internada. Não conseguia tomar nem água porque vomitava, tinha que ir para o hospital me reidratar, ficar no soro”, afirma, explicando que, além de os problemas gerarem desconforto físico e atrapalharem sua rotina pelas frequentes idas ao hospital, eles também prejudicaram sua vida social de diversas formas.
“Eu sempre acordava me sentindo exausta, como se estivesse de ressaca, com a cabeça pesada, dores de cabeça, dor muscular… Eu nunca tinha energia nenhuma. A gastrite gerou vários problemas na alimentação, havia várias coisas que eu não podia mais comer”, diz, ressaltando que, devido à alergia, não podia se divertir na praia ou na piscina.
Diante dos problemas de saúde repentinos, Diane visitou vários médicos e chegou até a fazer fisioterapia para controlar as dores decorrentes da condromalacia, bem como inúmeros exames para investigar as enxaquecas. Durante muito tempo, nem ela nem os especialistas relacionaram o quadro com a prótese – algo compreensível, visto que os sintomas eram tão gerais.
“São doenças tão aleatórias, sintomas tão diferentes! Dor de estômago e alergia de pele, o que tem a ver com o peito? Os médicos também não cogitavam, porque eu chegava com uma queixa muito específica. Acho que na maioria [das consultas] eu nem dava esse histórico de que eu tinha prótese”, afirma a jornalista.
Retirada das próteses
Após seis anos tratando cada condição separadamente, ela soube da existência da “doença do silicone” e, conforme pesquisou mais sobre o assunto, viu que seu quadro se encaixava. Com o auxílio de um grupo no Facebook voltado para a doença (e que tem mais de 10 mil membros), ela buscou médicos que pudessem ajudá-la com o diagnóstico, e optou, no fim, por retirar as próteses.
Aparência voltou ao normal após explante
Segundo ela, a cirurgia de explante mudou tudo. “Minha pele voltou à cor normal, as manchas sumiram, as rugas se suavizaram, as pessoas falam que eu rejuvenesci dez anos. Agora, durmo e acordo com energia. Tenho 31 anos e estava, antes, me arrastando como uma idosa”, diz, ressaltando que nunca mais teve crises de gastrite ou dores como costumava ter.
Tudo isso, inclusive, ocorreu de forma imediata: segundo Diane, apenas uma semana após a retirada da prótese de silicone, as mudanças (especialmente a transformação de sua pele e feições) já eram bastante evidentes e o antes e depois é realmente impressionante.
Atualmente, ela conta sua história para mulheres que têm vontade de colocar silicone e, acima de tudo, incentiva que elas busquem a autoaceitação como ela fez após retirar as próteses que tanto quis ter no passado. “Acho que não tem necessidade de uma intervenção estética tão violenta e invasiva como é a colocação de uma prótese”, diz ela, lembrando, porém, que não julga quem faz.
“Eu não condeno porque já estive desse outro lado. Antes, para mim, colocar a prótese era um sonho e ninguém conseguiu tirar a ideia da minha cabeça. Eu passo a informação da melhor forma possível, mas não condeno e consigo entender as meninas que optam por colocar a prótese”, conclui.
“Doença do silicone” ou siliconose: o que é
De acordo com o cirurgião plástico Marcelo Olivan, a “doença do silicone” é um diagnóstico que vem sendo debatido por especialistas há cerca de dez anos e que se enquadra na chamada Síndrome Imunológica Induzida por Adjuvantes (conhecida também pela sigla ASIA). Esta, por sua vez, nada mais é que uma reação do corpo a materiais médicos como, entre muitos, o silicone.
Conforme explica o médico, o organismo tem a capacidade de reconhecer substâncias estranhas e gerar uma resposta para eliminá-las – algo que acontece com microrganismos como fungos, bactérias, vírus, ou substâncias que não são próprias do corpo. Isso engloba, por exemplo, cateteres, placas e parafusos, stents e implantes em geral.
Devido a essa resposta natural do sistema imunológico, estes instrumentos (bem como vacinas) são fabricados de forma a torná-los compatíveis com o organismo, mas, ainda assim, pode ocorrer a ASIA – que é a rejeição de um material médico manifestada e sintomas sistêmicos. Isso significa que, assim como ocorreu com Diane, os sintomas não parecem ter ligação entre si.
“Os pacientes apresentam um conjunto de sintomas que não se enquadram nos critérios de qualquer distúrbio conhecido do tecido conjuntivo”, afirma o cirurgião. Ele lembra também que a síndrome independe da integridade da prótese, ou seja, o rompimento do implante não é algo necessário para o surgimento dos sintomas.
Apesar do longo período pelo qual especialistas têm buscado aprender mais sobre a siliconose, ainda há um número pequeno de estudos a respeito da síndrome – e parte disso vem justamente da dificuldade em diagnosticá-la. Segundo o médico, alguns estudos englobam apenas alguns critérios e sintomas da doença, algo que torna difícil o fechamento do diagnóstico.
Ele lembra ainda que os sintoma da síndrome podem não ser nada claros. “Uma simples falta de concentração pode ser classificada como parte da síndrome. São sintomas que às vezes não conversam entre si. Imagine uma paciente com implantes há seis anos que, de repente, passa a se queixar de dificuldade de concentração. Teria associação ou não com o implante? Os profissionais não sabem responder”, afirma ele.
Como ainda há poucos estudos sobre a síndrome e boa parte dos que existem não abrangem todos os sintomas possíveis, o cirurgião explica que, por enquanto, é impossível determinar qual a probabilidade que as pessoas têm de desenvolvê-la.
Sintomas e critérios para diagnóstico
Conforme explica Olivan, estudiosos do Hospital Tel HaShomer, maior centro médico de Israel, definiram um conjunto de critérios principais e secundários para o diagnóstico da ASIA – e, para que seja constatada a síndrome, ele precisa ter ao menos dois critérios principais ou então um principal e dois secundários. Os principais, no caso da “doença do silicone”, consistem em:
- Exposição a um fator externo (infecção, vacina, implante de silicone);
- Fraqueza ou dor muscular;
- Artrite ou dores nas articulações;
- Fadiga crônica, sono agitado ou distúrbios do sono;
- Manifestações neurológicas;
- Problemas cognitivos e perda de memória;
- Febre e secura na boca.
Enquanto isso, os critérios secundários frequentemente observados em quadros da doença são:
- Presença de anticorpos dirigidos contra o “corpo estranho”;
- Síndrome do intestino irritável;.
- Genes HLA de tipos específicos (HLA DRB1, HLA DQB1);
- Presença de uma doença autoimune como esclerose múltipla ou sistêmica.
Tratamento
Assim como ocorreu com Diane, os sintomas da síndrome tendem a ceder apenas quando a causa do problema é eliminada – algo que, caso ele seja causado por um implante de silicone, significa o explante da prótese. Isso não significa, porém, que a apresentação de algum dos sintomas citados signifique que a pessoa deva retirar a prótese imediatamente.
“Como o diagnóstico de ASIA pode facilmente se confundir com outras patologias, como a fibromialgia, a retirada do implante deverá ser realizada como um critério de exclusão quando o diagnóstico de outras doenças for afastado”, afirma ele. É importante, portanto, mencionar a existência do implante em consultas médicas para que a hipótese da ” doença do silicone” seja levada em conta.