A ciência já comprovou que alguns animais, como cães e camundongos, por exemplo, são capazes de farejar doenças. Baseada nesse fato, uma equipe de pesquisadores franceses decidiu conduzir um experimento para treinar formigas que, no futuro, poderiam detectar câncer em pacientes.
A escolha pelo inseto não foi aleatória: todas as mais de 14 mil espécies de formigas conhecidas se comunicam por meio do cheiro. Elas fazem uso de feromônios (uma substância química) para enviar informações a outros membros de sua colônia, que capturam o recado através das antenas cobertas por receptores altamente sensíveis ao odor.
Mas como, afinal, as formigas poderiam “cheirar” o câncer com suas antenas e garantir um diagnóstico médico?
Formigas detectam células de câncer em laboratório
As células cancerosas produzem compostos orgânicos voláteis (COVs), que são produtos químicos orgânicos que emitem odor e que podem servir como biomarcadores para diagnóstico.
Para treinar as formigas a identificar tais compostos, os pesquisadores colocaram células de câncer de mama e células saudáveis em uma placa de laboratório. Nas amostras cancerosas foram incluídas também guloseimas açucaradas para que os insetos associassem as células a uma recompensa.
A técnica de condicionamento consiste em apresentar um estímulo neutro (“cheiro de câncer”) e o associar a um segundo estímulo (de recompensa, no caso a comida) que induziria um determinado comportamento. A repetição fez com que a formiga aprendesse que o primeiro estímulo prediz o segundo e passasse a procurar o odor na esperança de encontrar comida.
Se você estiver com fome e sentir o cheiro de pão fresco, você entrará na padaria mais próxima. Este é o mesmo mecanismo usado pelas formigas, pois aprenderam que o cheiro de comida significa uma recompensa, afirmou Baptiste Piqueret, principal autor do estudo, publicado na revista Cell.
De acordo com os pesquisadores, os cães também podem detectar compostos orgânicos voláteis usando a mesma técnica, mas demoram meses e precisam de vários testes para condicionar. As formigas, por outro lado, aprendem bem mais rápido e exigem apenas três tentativas de treinamento.
Em entrevista ao site WebMD, Corrie Moreau, bióloga evolutiva e entomologista da Universidade de Cornell, não envolvida no trabalho científico, explicou que as formigas já estão bem sintonizadas para detectar diferentes produtos químicos e isso as torna ideais para o reconhecimento de cheiros.
A bióloga reconhece que as descobertas são promissoras, mas diz que é difícil dizer ainda se elas podem ou não levar a uma ferramenta real para diagnosticar o câncer no futuro. Afinal, o estudo se concentrou apenas em células cancerígenas puras em um laboratório e não naquelas que crescem dentro de um corpo humano.
Ainda seria necessário saber se as formigas fariam seu trabalho de detecção de câncer apenas no laboratório ou se a interação direta com o paciente poderia levar a um diagnóstico. O corpo humano emite muitos outros odores, então a questão é se as formigas seriam capazes de ignorar todos os outros cheiros e se concentrar apenas no cheiro alvo, ponderou Corrie.
Além disso, as células às quais as formigas seriam expostas na realidade provavelmente não seriam as mesmas usadas no estudo. Os insetos foram apresentados a culturas de células vivas e, normalmente, o material coletado em biópsia é colocado formaldeído, que tem um odor bastante forte. Assim, o protocolo de laboratório para detecção de câncer teria que ser diferente, afirmou também ao WebMD Anna Wanda Komorowski, oncologista da rede de hospitais Northwell Health, de Nova York.
Um aspecto atraente da pesquisa é que, se funcionar, pode ser uma alternativa mais barata às práticas normais de laboratório para detectar células cancerosas. Além disso, o método poderia ser útil em regiões de baixa renda, onde os laboratórios não têm acesso a tecnologias de coloração de células usadas para detectar células de câncer.