Culturalmente, chás são vistos como bebidas que, além de gostosas, podem ser terapêuticas. Neste contexto, não é raro encontrar médicos e nutricionistas que incluem chás (tanto em cápsulas quanto em infusão) nas dietas que recomendam a pacientes para fins de emagrecimento – mas, tanto segundo especialistas que já viram de perto as consequências do consumo exagerado destas substâncias quanto a própria Anvisa, isso é mais perigoso do que muita gente imagina.
Chás para emagrecer: especialistas fazem alerta
Chá verde, de hibisco, de sene, cápsulas que dizem conter “50 ervas” e diversos outros produtos semelhantes são muito associados a dietas para perda de peso, e isso acontece tanto por senso comum quanto a partir da recomendação de especialistas.
Apesar de chás serem substâncias naturais e de alguns terem certas propriedades conhecidas (em sua maioria relaxantes), eles não deixam de trazer riscos à saúde se consumidos sem cuidados – e, segundo especialistas, não deveriam ser indicados para fins terapêuticos.
Recentemente, por exemplo, a médica Liliana Ducatti, cirurgiã do aparelho digestivo e transplante de fígado do Hospital das Clínicas, veio a público chamar atenção para o assunto ao presenciar a falência hepática de uma paciente após o consumo de chás para emagrecer (em cápsulas). Na ocasião, ela alertou para o fato de que diversos deles são potencialmente hepatotóxicos (ou seja, possivelmente prejudiciais ao fígado em determinadas dosagens) e agora, ao Tá Saudável, ela falou mais sobre o assunto.
Segundo Liliana, apesar do que pregam vários profissionais, não existem ervas com poder de aliviar doenças ou ajudar na perda de peso. “Esses chás que as pessoas tomam quando têm desconforto gástrico, como espinheira santa, chá de boldo, cientificamente não tem nenhum estudo que mostre que eles são efetivos. Se toma porque é uma coisa cultural, mas eles não têm benefícios descritos na literatura. Já os chás indicados por nutricionistas, é importante dizer: nenhum chá emagrece. O máximo que podem fazer é ter efeito diurético”, explica a médica.
Além disso, segundo Liliana, alguns dos chás mais recomendados por certos especialistas e consumidos desenfreadamente por quem deseja emagrecer têm seus riscos muito bem descritos na literatura médica. “Hibisco, cavalinha e chá verde, por exemplo, são chás com relatos de toxicidade para o fígado”, enumera a médica, citando também que a situação é ainda mais crítica quando se trata das ervas em cápsulas, vendidas em uma série de formulações que não passam por avaliação de qualidade.
“O problema das cápsulas é que, muitas vezes, nós não sabemos realmente o conteúdo delas e muito menos a quantidade. Elas não são regulamentadas, não tem nenhum tipo de fiscalização”, aponta Liliana, se referindo ao fato de que, segundo a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), chás entram na categoria alimentícia e são regulamentados para uso como tal. Quando vendidos promessas terapêuticas, eles fogem da categoria e “burlam” as permissões do órgão, algo que inclusive gerou, recentemente, a proibição de mais de 100 produtos pela instituição.
Consultada pelo Tá Saudável sobre o uso de chás como auxiliares no processo de emagrecimento ou para fins terapêuticos como indicam muitos especialistas, a Anvisa também foi categórica ao negar a possibilidade.
“Somente produtos registrados na Anvisa como medicamentos podem ter indicação terapêutica para perda de peso e tratamento de obesidade. Não existe chá emagrecedor aprovado pela Anvisa”, afirma o órgão.
Consumo convencional de chás é seguro
Liliana frisa, porém, que nada disso gera a necessidade de retirar o consumo de chá da rotina e jogar fora todos os saquinhos. Isso porque, em primeiro lugar, a médica explica que quem toma chá por prazer não tende a consumir uma quantidade arriscada para a saúde e, de forma geral, chás vendidos em saquinhos são previamente processados e regulamentados, algo que os torna totalmente seguro para consumo no dia a dia.
“Tomar chá todos os dias não tem problema, o problema é quando as pessoas acabam tomando três litros. Não é normal. A pessoa não toma por prazer, toma porque falaram que desincha, porque emagrece. Agora, tomar uma, duas xícaras de chá ao dia não é problema. Tem que ter bom senso e tomar como uma bebida complementar”, afirma a especialista, aconselhando preferir os chás de saquinho aos vendidos a granel (devido à fiscalização da dosagem pela qual os de saquinho passam).
Quanto ao hábito de consumir chás durante um período de resfriado, Liliana volta a afirmar que o efeito terapêutico, neste sentido, não é comprovado – mas que isso não faz necessariamente mal. “Não existe chá para aliviar resfriado, eles são relaxantes. O efeito deles é bom porque a gente relaxa, é uma coisa gostosa e saudável. Camomila, erva-cidreira… Tomamos para nos confortar”, conclui a médica.