As mulheres e a Aids

A gente sempre pensa que está distante dessa realidade. “Isso nunca vai acontecer comigo”. “Não faço parte de nenhum grupo de risco”. “Só tenho relações com o meu namorado”. Grande engano! Segundo o infectologista Mauro Tristman, 25% da população brasileira está infectada, ou seja, todo mundo conhece alguém próximo com Aids. Seja um parente, amigo ou vizinho. O negócio é sério mesmo. A Aids é uma doença de situações de risco. Então o melhor a fazer é vestir a camisa, literalmente, e se prevenir. Porque como dizia Cazuza ” o meu prazer, agora é risco de vida.”

Foi em 1993 que Ana descobriu ser portadora do vírus. Na época tinha 57 anos e, como a maioria das pessoas dessa idade, sempre achou que Aids era doença de jovens. Nunca imaginou que corria risco. “Peguei o vírus do meu companheiro, um executivo respeitável. Quando descobri foi terrível, a gente fica esperando a morte, se prepara para morrer. Mas encontrei muita ajuda na minha família, todos sabem, inclusive meus netos. Sempre ficaram do meu lado e me dão o maior apoio. Meus filhos nunca me questionaram, nunca ouvi nenhuma crítica, nem fizeram nenhuma observação. Isso para mim foi muito importante. A minha neta de 11 anos já sabe. É bom eles saberem, pois pensarão: se minha avó pegou, posso pegar também.”

Ana faz uso do coquetel de medicamentos, que, apesar dos efeitos colaterais, ajuda muito. Agora está numa boa. Mas sofreu muito. Teve uma lipodistrofia (concentração de gordura em determinadas partes do corpo ou excesso de emagrecimento), perdeu muita massa muscular nos braços que recuperou depois com musculação, e no rosto acabou de fazer uma reposição. “Envelhecer já é difícil, com Aids mais ainda. Às vezes fico cansada de ter que cuidar tanto da minha saúde, de ter que tomar vários remédios, viver assim sempre com alguma coisa desanima, mas aí corro para terapia, me junto com as amigas do grupo de mulheres do Pela Vida e dou a volta por cima. Agora estou me achando divina e maravilhosa, mas não sei até quando.”, desabafa Ana.

Rosana namorou dos 13 aos 18 com Eduardo. Terminaram. Partiu para um relacionamento com um professor de educação física, sarado, super saudável. Ficaram juntos um ano e meio. Nunca tiveram relações sexuais porque pela sua criação tradicional queria casar virgem. Mas faziam sexo oral. Terminado o namoro, voltou para o Eduardo e casaram-se. Engravidou, mas a criança nasceu prematura de sete meses. Foi aí que descobriu ser portadora do vírus. O mundo desabou. Além de perder o filho com uma semana, o marido a largou. Mais tarde veio a descobrir que o ” sarado” morreu de aids. Ficou esperando a morte, mas ela nunca vinha. Hoje, com 27 anos, faz tratamento. Tem a carga viral baixíssima e tem uma vida normal. Trabalha, estuda e cuida da sua parte espiritual no Lar de Frei Luiz, onde é médium. Rosana é exemplo de pessoa não promíscua que contraiu o vírus por uma forma bastante difícil, mas não impossível, o sexo oral.

Outra Rosana, outra história com a mesma fatalidade. Aos 40 anos, engravidou e assim descobriu ser soropositiva. Enlouqueceu. Já tinha uma filha do primeiro casamento e ficou desesperada com a possibilidade de morrer e deixar sua filha só e desamparada. Contraiu o vírus do segundo marido, que se casou já sabendo ser portador, mas não contou. Colocou o marido para fora e entrou numa crise destrutiva. Começou a se drogar desenfreadamente. Acabaram voltando, mas ele morreu assassinado em um assalto logo depois. Teve um surto psicótico, achou que era um espírito que não conseguia se desligar do corpo. O que a salvou foi o grupo de soropositivos do Narcóticos Anônimos. Lá descobriu que é viável viver bem com Aids. Já teve algumas doenças oportunistas, mas superou. Hoje faz tratamento, cuida da filha que é sua grande companheira, crê na vida e está feliz e saudável. “Eu não posso ficar num canto chorando lamentando o que me aconteceu porque com certeza isso vai me destruir. Dei a volta por cima e continuo vivendo.”, declara Rosana.

Márcia não tem Aids, mas sofre com ela. Perdeu seu melhor amigo quando ele, ao descobrir que estava infectado, se matou com um tiro na cabeça. Ela passou a querer entender tudo sobre a doença. É voluntária do Pela Vidda e acha que poderia ter poupado a vida do amigo se tivesse as informações que sabe hoje. Está realizada com o trabalho que faz. Ganha muito mais do que dá. “Eu passei a ter uma consciência muito maior do aqui e agora. Quero viver hoje porque todo mundo pode morrer a qualquer momento. Não só de Aids, como atravessando a rua e ser atropelado. Eu quero viver agora, ser uma mulher melhor hoje para o meu filho, pra alguém que precise de mim, alguém que baste uma palavra pra se sentir aceita, apoiada, prestigiada. Isso é que mudou fundamentalmente na minha vida ao eu vir ser voluntária do Pela Vidda.”

Dayse Agra é a líder das mulheres que se reúnem todas segundas-feiras no grupo Pela Vidda. Ela perdeu o filho e passou a lutar pelas causas dos infectados com o vírus HIV. É esse trabalho que dá forças para ela continuar vivendo com a sua perda. Já conquistou muitas coisas e está sempre orientando as novas companheiras que chegam achando que estão com suas sentenças de morte decretadas.

Diante de tantos infortúnios, tristezas compartilhadas e muita solidariedade, Dayse tem toda a sabedoria para alertar as mulheres que ainda se acham intocáveis por não estarem nos chamados grupos de risco. “Nunca se sabe qual vai ser a reação dos homens quando sua parceira pede o uso do preservativo. A negociação ou exigência é sempre um momento muito difícil para as mulheres, mas precisa ser enfrentado. São mulheres casadas há muitos anos, e que, por serem fiéis, nunca se incomodaram em tomar precauções, achando que não seriam contaminadas.” Mas foram e, junto com a traição, ganharam, no pacote, uma doença terrível.