As mulheres e a Aids > Entrevista com Mauro Tristman

Bolsa de Mulher: O que é Aids ?

MT Aids é uma doença onde o sistema imunológico das pessoas é altamente deteriorado. Essa deterioração do sistema imune é provocado por um vírus chamado HIV. Essa deterioração imunológica tem como conseqüência o surgimento de uma série de doenças por baixa resistência orgânica e essas doenças é que tornam o paciente portador de Aids uma pessoa que sofre, que corre risco de vida se não for tratada.

BM Hoje Aids é uma doença de comportamento ?

MT Eu não considero Aids uma doença de comportamento, do ponto de vista de comportamento social. Ela pode ter alguma prevalência, uma incidência um pouco maior em alguns grupos, mas isso não torna ela uma doença exclusiva de comportamento. É uma doença que pode ser facilitada por descuido. Eu considero mais prudente falar dessa forma. Não é o comportamento social de um indivíduo que faz com que ele tenha ou não Aids, mas sim maior cuidado ou menor cuidado que ele tenha pode facilitar ou dificultar a pessoa a ter Aids.

BM Ainda existe grupo de risco ?

MT Pra mim é a mesma coisa. Não acho que tenham grupos de risco. Existem grupos onde o risco é maior.

BM Quais seriam esses grupos ?

MT Usuários de drogas, quando você considera que eles não usam seringas descartáveis, porque se for um usuário de drogas que use seringa descartável, ele não vai ser um grupo de risco. Pessoas, homo ou bissexual, que não usem preservativo. Mas também o heterossexual que não usa preservativo. Então eu não considero que seja uma doença de grupos de risco, porque na verdade vai estar mais ligado ao cuidado individual de cada pessoa e não ao fato de ela ser de um ou de outro grupo comportamental.

BM Por que as mulheres têm mais facilidade em pegar Aids ?

MT Por via sangüínea o risco é igual para os dois. Via sexual há uma diferença. Na relação sexual, o homem passa Aids para mulher através das secreções de esperma que é um líquido, habitualmente no paciente infectado, que tem alto nível de vírus. Então numa relação sexual, quando a mulher recebe o esperma, ela recebe um líquido orgânico com alto conteúdo de vírus. Quando o homem tem uma relação sexual com a mulher infectada, uma relação vaginal e não anal, a vagina da mulher apesar de conter vírus no muco, tem uma quantidade bem menor, por isso o risco de transmissão é bem menor. Não é um risco ausente, mas menor.

BM Por que o sexo anal é mais arriscado ?

MT A mucosa anal é muito frágil e ela sangra com facilidade mesmo que não se perceba externamente. Então aonde tem sangue de uma pessoa contaminada de vírus, o risco de transmissão é muito alto.

BM Por que as mulheres são menos resistentes a doença ?

MT Isso ainda é um assunto de estudo. Não está totalmente comprovado que a mulher seja menos resistente. Em alguns aspectos a mulher se torna mais fragilizada frente a uma situação de doença do que os homens. Ainda não está muito definido. Por exemplo, com relação ao tratamento, o uso das drogas, dos medicamentos contra o vírus são padronizados em faixas de peso. Pessoas de 50, 70, 80 quilos usam a mesma dose da medicação e se você pegar a média das pessoas de 80 quilos geralmente vão ter mais homens com 80 e mais mulheres com 50. Então são pessoas que estão tomando a mesma dose e possivelmente vão estar sofrendo efeitos colaterais diferentes, porque não houve uma adaptação de doses para pesos diferentes. Ciclos hormonais femininos podem interferir de alguma forma apesar disso não estar provado. Têm uma série de coisas que precisam ser mais aprofundadas prá se entender melhor as particularidades das mulheres em relação aos homens com Aids.

BM Quando o paciente chega a você, ele já sabe que tem Aids ?

MT Nem sempre. Uma boa parte das vezes ele sabe que tem o HIV, ou suspeita que tenha, porque teve algum caso conhecido. Com alguma freqüência as pessoas vêm me procurar porque tiveram febre e não sabem o motivo, ou perderam peso sem razão, ou têm tuberculose, pneumonia, e investigando acabam chegando ao diagnóstico.

Como é ter que dar esse diagnóstico para o paciente ?

MT Muito difícil. Principalmente quando o paciente não tem nenhum nível de expectativa desse diagnóstico. Para quem tem, já é difícil. Porque por mais que a pessoa suspeite ela já cria um preparo anterior, mas que entre o preparar e o ser é complicado. Você se preparar para possibilidade de assumir o fato de ter uma doença que ainda é incurável, que ainda mata, que tem que tomar muito remédio, apesar de que é possível viver com Aids, com uma ótima qualidade de vida, mesmo assim é difícil por tudo isso que eu falei e mais pela história muito recente, onde há seis, oito anos atrás, Aids era uma catástrofe, porque se fazia muito pouco pelas pessoas. Hoje em dia o tratamento melhorou bastante, está longe de ser o que a gente deseja, mas melhorou bastante. As pessoas estão podendo ter uma vida mais longa, com muito mais qualidade. Mesmo assim é difícil dar o diagnóstico para o paciente. Quando a pessoa não tem a menor suspeita, aí é terrível. Aí tem que se fazer um trabalho junto com outras pessoas, amigos, família. Sempre incentivo a pessoa a não se isolar. Têm muitas pessoas que querem esconder de todo mundo, ainda têm muita vergonha. A gente motiva a procurarem as pessoas, porque eu acho que quando a gente tem uma notícia boa a gente procura pessoas que gostam de você e quando você tem uma notícia ruim você tem que procurar as mesmas pessoas. O ser humano precisa viver em sociedade, precisa estar cercado de outras pessoas.

BM Você acha que de uma forma geral a família ajuda ou ela tende a fugir do problema ?

MT Mudou muito. Quando eu comecei a tratar de Aids, há 14 anos, a maioria das famílias saía de perto, condenava, mas hoje em dia isso mudou. É raro hoje em dia uma família que não aceite uma pessoa com Aids. Não só aceita como também dá todo o apoio. Isso faz parte do desconhecido e do conhecido, da ignorância e do conhecimento. Envolve uma série de coisas, que o comportamento social da família, nesse ponto de vista, costuma ser bastante arcaica. Reproduz sempre o passado da não evolução social do futuro. Mas apesar disso tudo, se aprende. Acho que o amor está acima de qualquer coisa. A imprensa, a história de cada um, o fato de ter pessoas doentes na família, a maioria das famílias tem alguém doente de Aids hoje em dia e isso acabou levando as pessoas a se interessarem a buscar conhecimento.