Durante o tratamento de distúrbios psicológicos, é normal haver a necessidade de se administrar medicamentos, e nem sempre o organismo do paciente se adapta com o primeiro, o segundo ou o terceiro remédio que lhe é receitado. Isso, por sua vez, pode gerar um longo sofrimento – mas, apesar de muita gente não saber, há um exame que pode encurtar esse processo de maneira muito eficiente.
Tratamento para depressão: como se escolhe o remédio?
Segundo Guido Boabaid May, psiquiatra fundador do laboratório especializado em genética humana GnTech, pioneiro no exame em questão, a forma “tradicional” de se receitar medicamentos para tratar depressão, ansiedade, transtorno bipolar e outros distúrbios psíquicos é quase aleatório e, apesar de certas “pistas” indicarem a forma como o paciente reagirá, o processo ainda é de tentativa e erro.
“Em geral, esse método tem aproximadamente 50% de chance de acerto e de erro a cada tentativa. Habitualmente, a gente se baseia em histórico de tratamentos anteriores, características da personalidade do paciente, história familiar, etc.”, enumera o médico, afirmando que, ainda assim, nem sempre membros da mesma família reagem da mesma forma a um remédio.
Para muitos, a ideia de testar várias substâncias até chegar a uma que funcione parece algo tranquilo, mas, na realidade, o processo pode ser complicado – especialmente para quem sofre de distúrbios psicológicos. “A depressão, por exemplo, é uma doença que se agrava a cada tentativa de tratamento que falha, demora mais para melhorar, exige mais medicamentos”, afirma ele, citando também possíveis efeitos colaterais.
“Isso pode prejudicar o tratamento de várias formas, desde a ocorrência de efeitos colaterais que causam desconforto e, em alguns casos, até riscos. Além disso, se te receitam um medicamento e ele tem baixa eficácia, nós temos semanas ou meses para constatar que ele não funciona, gerando o sofrimento do paciente, da família e perdas financeiras, porque eles gastam mais dinheiro com novas consultas”, diz.
Exame simples pode ajudar
Conforme explica May, o comportamento de medicamentos em cada organismo depende de um conjunto de fatores, e nem todos eles podem ser mapeados apenas com uma avaliação psicológica ou exames clínicos convencionais. Isso porque, além de eles englobarem o estado de saúde do paciente, a presença de doenças no fígado e nos rins e hábitos de vida, eles também incluem características do DNA.
“O DNA vai determinar de que modo as enzimas que metabolizam os medicamentos vão funcionar, se vão ser mais ou menos eficientes do que o normal, como o medicamento vai se comportar dentro da célula (se vai ficar mais tempo ou menos tempo nela), se determinadas substâncias vão ser degradadas com maior ou menor rapidez, etc.”, diz ele, apresentando o exame farmacogenético como alternativa.
Segundo o psiquiatra, ao sequenciar e analisar o DNA do paciente, é possível ter uma noção maior de quais remédios se comportarão bem e quais não são adequados para o organismo dele com base nas suas tendências em metabolizar as substâncias. Tudo isso, inclusive, é feito de maneira bem simples, e basta o paciente coletar uma amostra da própria saliva, enviando-a em seguida para análise laboratorial.
“Alguns estudos bem robustos comparam grupos de pacientes em tratamento pelo método tradicional versus grupos em tratamento guiado pelo teste. O maior de todos, publicado em janeiro de 2019 nos Estados Unidos, demonstrou que o grupo em tratamento guiado, já na oitava semana, passou a apresentar níveis de remissão. Depois, na 24ª, esses índices subiram mais 30%”, explica o médico.
Além de servir como um guia para o profissional de saúde na hora de prescrever medicamentos, o psiquiatra afirma que este teste também tranquiliza o paciente – algo que faz a diferença, por exemplo, em quadros de ansiedade, já que os sintomas tendem a se agravar conforme ele não se adapta a diferentes remédios e sente efeitos colaterais ruins com a utilização deles. Fora isso, há também uma economia financeira.
“Há uma diminuição de custos, já que um paciente que segue com os sintomas da depressão, sem remissão, é um paciente que tende a gastar muito mais com medicamentos ineficazes e com outras consultas médicas. Isso porque muitos experimentam desconfortos cardíacos, gastrointestinais, e aí vão fazer consultas recorrentes nestes médicos, vão parar na emergência com ataques de pânico”, diz.
Para quais doenças ele serve?
Conforme explica o médico, a ansiedade e a depressão se destacam entre os distúrbios cujos tratamentos podem se beneficiar do exame farmacogenético, mas elas não são as únicas doenças da lista. “Como o teste é dirigido para medicamentos e não para doenças, todas as pessoas que tomam algum dos 79 medicamentos cobertos pelo teste e estão com dificuldades podem se beneficiar”, diz ele.
Segundo May, entre outros males que usam algum destes 79 medicamentos também estão o transtorno bipolar, as doenças psicóticas (sendo a esquizofrenia a mais conhecida delas), insônia, transtorno de déficit de atenção, epilepsia e dores crônicas. A depressão e a ansiedade, no entanto, são as mais prevalentes entre as pessoas, por isso são as mais enfatizadas por ele.
Valores e como fazer
No caso da GnTech, que é referência neste exame, o processo consiste na coleta de DNA feita pelo próprio paciente. “Basta esfregar um swab, uma espécie de cotonete, na bochecha para coletar células bucais das quais será extraído o DNA”, afirma May, ressaltando que, a partir da solicitação do exame, o paciente receberá um kit para realizar este processo em casa de forma segura.
Em seguida, ele recebe instruções para enviar a amostra pelo correio para o laboratório do Hospital Israelita Albert Einstein, onde ocorre o sequenciamento do DNA em parceria com a empresa. Além disso, também é possível fazer a coleta em um laboratório parceiro ou no consultório do próprio médico, ficando a critério do especialista eleger a melhor forma de realizar o exame.
Embora não esteja disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), May afirma que diversos convênios já cobrem o exame farmacogenético e, caso cogite fazer, é importante que a pessoa busque informações com o próprio convênio para saber como se dá a cobertura. Segundo a GnTech, pode ser necessário um pedido médico que justifique, pelo histórico do paciente, a necessidade do exame.
Além disso, também é possível realizar o teste de forma privada, adquirindo o kit diretamente pelo site da empresa. Desta forma, o custo do exame é de cerca de R$ 3,9 mil.